Longe de mim achar que sou engraçada. Meu trabalho é parecido com o de um almoxarife: a diferença é que os arquivos que eu carrego são mais pesados, e algumas vezes são menos importantes. A vida humana é muito burocrática. Mas, de certa forma, é divertido o que os humanos fazem a meu respeito.
Depois do meu trabalho consumado, eu visito os velórios. A “perda” de um ente querido, amigo ou familiar, é de cortar o coração, todos sabemos. Pra quem tá de pé junto, também. Mas velórios são um espetáculo (e nem precisa ser o de um Michael Jackson, televisionado, com ingressos, cantores e depoimentos ao estilo “arquivo confidencial”).
Existem velórios de todos os tipos. Dá até pra conhecer gente legal: numa família de marceneiros, conheci um sanfoneiro nordestino, que tocava forró nos bailes. Ninguém lembrou o cidadão de trazer a sanfona. Uma pena.
Aliás, tem velório que só serve pra isso: conhecer gente nova e, no caso da parentada distante, dar uma fofocada. Eu ouvi cada coisa que nunca imaginaria. Uma reunião de família na qual o caixão do defunto é a mesinha de centro e o palco de falsas amizades reatadas e acusações suaves entre queridos.
Mas o melhor mesmo é quando falta assunto. Já ouviu a expressão “silêncio sepulcral”? Essa expressão é uma grande mentira: não existe silêncio desse tipo. Porque quando a conversa ameaça a ficar mais fria que o defunto, as frases de velório salvam o dia. Uma pequena lista das que ouvi nas minhas andanças:
– Olha a expressão dele. Tão sereno!
– Alguns parentes só aparecem nessa hora, né?
– Ele parecia tão saudável!
– Vão os melhores, ficam os piores. (Quer registrar uma reclamação? Fale com o sindicato).
– Deus sabe o que faz. (Ah, assim está melhor).
– Hoje em dia, tem gente que morre até comendo coxinha!
– Pelo menos não sofreu muito.
– É, ninguém sabe o dia de amanhã… (reticências filosóficas).
– Ele foi para um lugar melhor… tenho certeza (mal sabe ele).
– Sempre tão preocupado(a) com as pessoas… finalmente vai descansar.
– Morreu, morreu. Antes ele do que eu. (a preferida das crianças).
– Aceita um cafezinho? (nunca entendi o que faz uma copeira num velório).
Apesar da clichezada, venho observando que os velórios estão ficando mais modernos, menos encanados com rituais: num deles pediram pizza, Habib’s e refri nos seus. Noutro, por vingança da amante, convidaram uma dançarina para fazer pole-dancing em cima do caixão (juro!). Num enterro que visitei tinha TV no teto. Quase ligaram a TV pra assistir ao Esporte Espetacular, ver o resultado da liga de vôlei. Também já rolou concurso entre os amigos para ver quem presenciou o “causo” mais absurdo, engraçado e improvável do falecido. Gostei! Valeu o ingresso!
Aliás, cá entre nós, meu amigo e minha amiga: se existem duas ocasiões na vida em que as pessoas se esforçam pra ser criativas, é nos preparativos do casamento e nos da morte. Há uma possível relação entre ambas (principalmente para os homens). Mas a parte do casório eu deixo para falar em outro momento.
Se o defunto não tiver uma religião que o impeça, basicamente, existem três modalidades de morte: enterro, cremação e doação de órgãos.
No caso do enterro, o número de pesquisas com o verbete “epitáfio” vem crescendo no Google. Pessoas procuram uma frase bonita e profunda (mais do que sete palmos), para gravar na lápide e deixar um recado para a posteridade. Este momento representa uma fina ironia sobre a existência humana: enquanto uma pessoa estará sendo comida pelos vermes, outra estará lendo uma mensagem edificante e memorável. Justo.
Também há um número crescente de pessoas que preferem ser cremadas. Cremar dá muito mais opções, pensam elas. Você vira cinzas e pode desde ser botado numa simples caixinha de madeira, quanto fumado num baseado, queimado com objetos simbólicos (livros, fotos e calcinhas são os mais pedidos), “assoprado” em alto-mar ao som de uma música de novela, ou ir parar numa lata de leite moça e ser enterrado em lugares insólitos, como no Grand Canion.
E para os bonzinhos que por acaso morrerem “intocados”, de morte encefálica (o que é ironicamente bem raro), a doação de órgãos. Não vou explicar demais: já até fizeram um filme a respeito. No entanto, ao contrário do que apareceu no filme (que eu odiei), não é tão parecido com um presente de amigo secreto, no qual você escolhe para quem vai sua córnea ou seu fígado… vai pro primeiro que estiver na fila e for compatível. Ah, essas coisas de Hollywood…
Agora falando sério, engraçado mesmo é como todo mundo que morre se dá melhor: ou vira santo, ou vende mais. Durante a vida a gente sabe que a pessoa não era lá grande coisa, nem parece fazer falta. Mas quando tá prestes a ir pra baixo da terra, meus compadres, todo mundo fica triste. Diz que foi um exemplo de ser humano. Deve ser por isso que alguns vivos, quando ficam deprimidos e se sentem uns bostas, tentam se imaginar no próprio velório.
Bem pessoal, é só isso. Obrigado pela atenção. Até logo, heim! E um conselho: haja o que houve, não morram virgens.