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Vírgula

Hoje aconteceu uma coisa bonita na minha vida. Vou escrever apenas para poder lembrar disso pra sempre, embora desconfie não ser necessário.

Estava pensando nas minhas confusões quando avistei uma amiga no posto de gasolina. Nos abraçamos e, muito contente, ela me contou que estava fazendo pós-graduação voltada à assistência à maternidade.

É evidente que fiquei muito feliz por ela. Ainda mais sabendo como tudo isso começou.

Acontece que, há cerca de um ano, eu a encontrei um pouco angustiada na fila do mercado. Naquele momento, me contou que foi convidada (por diversas razões) de ajudar nos últimos dias de gestação de uma pessoa a quem ela, pelo menos naquele momento, não tinha muito afeto. Para isso, precisaria viajar e ficar à disposição até mesmo após o parto. A viagem seria legal, mas estar com a pessoa poderia não ser.

Era uma dessas situações em que você precisa ir, mas não quer.

Eu, que também estava me preparando para viajar, muito empolgado disse: vai sim! vai ser legal!

Então ela foi. Disse que não só ficou maravilhada com o trabalho que prestou à gestante, como fez cursos para doula (nome dado às assistentes de parto), e recentemente entrou em uma pós relacionada a isso.

Agora, faz trabalho voluntário no hospital da região instruindo gestantes e mães de recém-nascidos sobre amamentação.

Então, me disse que nossa conversa pontuou o começo de uma mudança na vida dela.

Que eu poderia ter sido o ponto final. Mas que fui a vírgula.

Eu até esqueci meus próprios problemas de tão feliz que fiquei :)

Acho que podia sempre ser assim.

 

26 coisas que eu levei 26 anos para perceber

1. Que eu deveria esperar os 30 para fazer essa lista. Antes dos 30 nada é muito certo. Não levem tão a sério daqui pra frente.

2. Que é muito importante falar com as pessoas no elevador. Antigamente eu não gostava. Depois percebi que é um gesto de carinho: a pessoa fala comigo porque gosta da minha presença num lugar tão fechado. É algo a se valorizado.

3. Que é igualmente importante dar bom dia às pessoas. Elas gostam, abrem um sorriso. Então eu digo quantas vezes forem necessárias. E desejar isso de coração.

4. Que você pode até não ter dinheiro para dar a um mendigo, mas jamais se deve desviar olhar. Há um ser humano ali, e a pobreza não desvaloriza as pessoas.

5. Que se uma criança na rua te pede algo para comer, você não dá dinheiro. Você compra algo para ela comer. A criança pode não saber ler a cédula do dinheiro. Questão de sensibilidade.

6. Que quando alguém briga com você ou te ofende, por mais duro que seja, é melhor ouvir e não guardar mágoas. Às vezes, a pessoa está sofrendo com algo e não pede ajuda, ou acha que não pode ser ajudada. Neste caso, ser tolerante é o único jeito que você tem de ajudá-la.

7. Que absolutamente tudo passa. Tudo mesmo.

8. Que eu posso morrer enquanto escrevo esse texto. Tal é a trivialidade da vida.

9. Que muitas vezes, mesmo sem querer, tentamos ser a prisão de alguém. Tentamos impor condições à liberdade das pessoas ou coisas serem o que eles são, acham que são ou querem ser. E quando isso acontece, viramos prisão para nós mesmos.

10. Que rir é um bom analgésico e chorar é um bom anti-inflamatório.

11. Que eu é que me incomodo com os outros, não os outros que me incomodam.

12. Que as pessoas nem são muito diferentes, nem muito iguais a você.

13. Que defeito é coisa de liquidificador, máquina de lavar, televisão. Coisas que surgem com uma função e não funcionam têm defeito. Humanos não nascem com uma função. Se falham em algo, continuam vivendo suas vidas. Não são jogadas foras. Humanos têm potencialidades.

14. Que todas as pessoas podem ser melhores. Sempre.

15. Que é muito difícil não julgar os outros, mas é bom fazer um esforço para não achar que as pessoas deveriam ser agradáveis para conviver com você. Que deveriam fazer as coisas do jeito que você aprova. Isso é besteira.

16. Outro motivo para não julgar: se parar para pensar, fazemos igual. Todos nós fazemos coisas discutíveis em nossas vidas. E quase sempre são as mesmas coisas vestidas de um jeito diferente, conforme a ocasião.

17. Que todas as pessoas podem ser felizes. Não existe condição para isso.

18. Mas que se a doença, a fome e a pobreza são empecilho, você quase sempre pode fazer algo a respeito. Depois de fazer você percebe que pode ser feliz.

19. Que a alma é a pele mais sensível. Por isso tem outra pele para cobrir.

20. Que conhecimento demais à toa na cabeça também é futilidade. Igual quem compra sapato ou roupa demais e não usa. Quer virar o sabe-tudo?Muito bem. Mas antes pergunte-se: é algo que você ensinaria para alguém que ama? Se for sim, esse é o bom conhecimento.

21. Que muitas vezes é útil ser bom em algumas coisas. Mas que, no fundo, no fundo, basta ser bom como pessoa.

22. Que não adianta escrever complicado e depois ter que explicar tudo de um jeito mais simples. Escreve simples de uma vez!

23. Que ter compaixão é tentar ser como a mãe de alguém. Quando você acaba de nascer, está desprotegido e sua mãe te acolhe. Está com frio, e ela dá o calor dos braços. Está com fome, e ela dá o leite. Está sozinho, e ela te dá um rosto e uma voz para reconhecer pelo resto da vida. E você nem sabia quem ela era direito. Mas ela sabia quem era você. E por mais besteira que você venha a fazer na vida, por mais irreconhecível que sejam suas atitudes, ela sempre vai saber quem você é. E daria colo, calor, comida e carinho de novo, de novo e de novo, de milhares de jeitos diferentes, mas sempre como se fosse a primeira vez. Para mim, isso é compaixão.

24. Que até hoje só passaram pessoas incríveis na minha vida. Pessoas que me ensinaram, me protegeram, me aconselharam, me criticaram, relevaram certas coisas, brigaram comigo para o meu bem, brigaram para me defender, foram minhas amigas, me entenderam, me aceitaram, estiveram por perto (mesmo de longe) riram comigo, riram de mim para me fazerem rir de mim mesmo. É um mistério, para mim, que não exista uma só pessoa que passou por mim e que eu não deveria amar e agradecer.

25. Que eu devo exercer essa gratidão sempre, em cada gesto, fala ou pensamento, a todos e a tudo o que é vivo. Agradecer ao mundo por ele ser tão bom comigo.

26. Que é irracional perguntar qual o sentido da vida. Melhor perguntar quais são os sentidos das vidas. Porque é um oceano de vidas e de sentidos no qual nos afogamos vez ou outra, mas no qual também podemos aprender a nadar.

Diário de um mendigo

18:26. 17ºC. Qualidade do ar: ruim.

Não sei que dia é hoje. Aquele relógio da paulista informa as horas, a temperatura e até a qualidade do ar, mas não diz que dia é hoje.

 

18:27. 17ºC. Qualidade do ar: ruim.

Não adianta pedir as horas para quem passa. Esse pessoal acha que eu vou pedir dinheiro e aperta o passo.

 

18:28. 17ºC. Qualidade do ar: ruim.

Mas pra quê eu preciso saber que dia é hoje? Não tenho conta pra pagar.

 

20:22. 26ºC. Qualidade do ar: moderada.

Que tempo maluco.

 

19:13. 24ºC. Qualidade do ar: moderada.

Esqueci de colocar o lixo pra fora de casa. Também esqueci que não tenho casa. Mas se eu tivesse casa, teria esquecido o lixo dentro dela. Ainda bem que não tenho.

 

18:08. 23ºC. Qualidade do ar: ruim.

Hoje outro mendigo me pediu esmola. Disse que não tinha porque também era mendigo e saí andando. Ele não acreditou em mim.

 

18:09. 25ºC. Qualidade do ar: ruim.

Vai ver por que ele era cego. Não tinha reparado nisso.

 

15:15. 18ºC. Qualidade do ar: boa.

15 horas e 15 minutos. Dizem para fazer um pedido. Pedi uma bicicleta. Não sei porque peço sempre uma bicicleta, mas só tenho 60 segundos para decidir! Maldito relógio que marca tudo, menos os segundos.
15:16. 18ºC. Qualidade do ar: boa.

Pensando bem, melhor eu nem ganhar a bicicleta. Eu finjo que não tenho uma perna para ganhar mais esmola. Se me vissem…

 

15:17. 18ºC. Qualidade do ar: ruim.

Vai ver eu só não queria ser mendigo.

 

01:30. 16ºC. Qualidade do ar: ruim.

Tive um pesadelo. Sonhei que tinha dinheiro demais. Melhor ser mendigo.

 

03:47. 15ºC. Qualidade do ar: boa.

Faz cada vez mais frio. Uma puta veio perguntar se queria programa. Uma prostituta pedindo trabalho para um mendigo. Não tá fácil, dona. Não tenho dinheiro pra comer, quanto mais pra comer.

 

03:48. 15ºC. Qualidade do ar: moderada.

Tempo ruim pros negócios, ela concordou. Resolveu não cobrar.

 

04:26. 15ºC. Qualidade do ar: boa.

Foi bom. Mas foi triste. A madrugada dela tava mais fria que a minha.

 

05:30. 16ºC. Qualidade do ar: moderada.

Sonhei que tava me mijando todo. Acordei no susto e quando vi, só estava chovendo. Em mim. Vou para um lugar seco.

 

06:24. 18ºC. Qualidade do ar: moderada.

O ceguinho me pediu esmola de novo. Já disse que também sou mendigo, mas ele acha que não. Que não falo igual mendigo. E deu risada! Cara folgado!

 

06:28. 18ºC. Qualidade do ar: boa.

Ele me pediu um favor: escrever num papelão a palavra “cego” para ele segurar. Ele disse rindo que “as pessoas não tão percebendo sem a placa”.

 

06:29. 18ºC. Qualidade do ar: boa.

Mas como ele sabia que eu sei escrever? Deve tá mentindo. Folgado e vagabundo. Vou fazer ele engolir esse riso frouxo.

 

06:30. 18ºC. Qualidade do ar: boa.

Escrevi cego com S. Sego. Só de raiva. Agora é que vão rir dele! E quando ele perceber, todo mundo vai saber que o vagabundo não é cego, não. Nem com C, nem com S!

 

13:38. 28ºC. Qualidade do ar: moderada.

Senhora do prédio ao lado que desperdiça comida e joga tudo no lixo, só tenho uma palavra para você: obrigado.

 

13:45. 28ºC. Qualidade do ar: moderada.

Se alguém joga uma coisa no lixo e você pega, ainda é roubo?

 

21:08. 24ºC. Qualidade do ar: ruim.

Já se passaram uns 3 ou 4 dias desde que escrevi a plaquinha do cego. Com S. Cada um que passa aponta para a placa e ri da cara dele. Como eu tinha imaginado.

 

21:09. 21ºC. Qualidade do ar: ruim.

O problema é que ele ri junto. Ri sempre, o tempo todo. Não tá nem aí. Acho que ele não percebeu.

 

21:10. 21ºC. Qualidade do ar: ruim.

… acho que ele é cego de verdade.

 

21:44. 22ºC. Qualidade do ar: moderada.

Inventei uma desculpa: disse que a placa não tava boa para ler de longe. Sem ele perceber, escrevi outra coisa.

 

21:47. 20ºC. Qualidade do ar: boa.

“Se você leu, sorria! Não posso ver seu sorriso, mas você pode ver o meu.”

 

14:02. 30ºC. Qualidade do ar: moderada.

Faz um sol forte e o cego me pediu esmola de novo. Disse que era mendigo também. A novidade é que dessa vez ele acreditou. Disse que algo tinha mudado na minha voz.

 

14:04. 30ºC. Qualidade do ar: boa.

Eu fiquei mudo, ele riu. Juntamos os trocados e rachamos uma cerveja. Depois dividimos a calçada. Ficamos colegas de esquina e depois amigos.

 

00:00. 27ºC. Qualidade do ar: boa.

Hoje eu ganhei meu melhor presente de Natal: além da esmola, me perguntaram meu nome. Que Deus abençoe.

Capacete

Desde que a espécie humana existe, temos crânios. A função do crânio é proteger o cérebro que, supostamente, todos nós temos.

Ao longo dos séculos, nós usamos nosso cérebro para inventar coisas que nos deixassem rápidos. Mais rápidos. Cada vez mais rápidos. Bicicletas, carros, motos, aviões.

Só depois de algumas dessas invenções provocarem acidentes fatais, percebemos que precisávamos inventar uma coisa bem simples.

O capacete.

A função do capacete é proteger nosso crânio que, por sua vez, como já disse, protege o cérebro.

Ou seja, inventamos algo que protegesse nossa cabeça de nós mesmos, porque deixamos de ser capazes de protegê-la.

Nossa espécie é a única incapaz de defender sozinha o órgão que comanda sua inteligência.

Acho que nunca precisamos de capacete, afinal.

Inverso

Ninguém é muita gente
Nunca acontece sempre
Nada está em tudo
E o não de hoje é o sim de amanhã.

Vazio

Não vejo.

Não ouço.

Não toco.

Não gosto.

Não respiro.

Só sinto:

Estufo o peito sem ar,

Puxo-te para dentro de mim,

Deixo minha alma marcar,

E compreendo de ti

Só o que preciso

Amar.

Versinho simples nº1

É o aviso da chuva,

É a lágrima que foge,

É a sede que dura,

É o suor do trabalho,

É o alívio da chuveirada,

É o néctar do pássaro,

É o brilho da rosa,

É o prisma da ótica,

É a cura dos bentos,

É o soro dos pálidos,

É a tortura chinesa,

É a fronteira do cúmulo,

É o fim da picada,

É o nosso mundo

Numa gota d’água.

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Distribuição de renda.

Miserável: “Se eu tivesse muito dinheiro, doaria tudo pra caridade.”

Pobre: “Preciso ganhar logo na mega-sena!”

Classe média: “Não precisa ser rico. Só precisa viver bem.”

Rico: “Ah, mas dinheiro não é tão importante assim.”

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A importância do alface.

Observe como um assunto sério e confessional pode virar algo nonsense:

Não lembro o diálogo inteiro, mas lembro o teor da conversa que tive com uma amiga: o que ela espera de um bom homem.

Disse que seu macho tem que ser esperto. Mas como assim, esperto?

“Ah, se por exemplo eu quiser comer alface às 2 da manhã, ele vai achar o alface de qualquer jeito pra mim. E se não achar, vai rodar a cidade inteira pra achar e vai acabar conseguindo vários tipos de alface, mas não vai voltar pra casa sem um pé que eu goste.”

Porque ele sabe A IMPORTÂNCIA DO ALFACE PRA MIM.”

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Minha querida avó.

Já que todo mundo dá risada disso quando eu conto, vou deixar registrado aqui.

Não gosto da minha vó.

Primeiro porque ela só me dá camisetas laranjas e toalhas amarelas de aniversário há 6 anos.

Segundo (essa é a parte engraçada) porque, uma vez, ela e minha mãe tiveram uma discussão familiar pesadíssima aqui em casa. Daí minha vó desmaiou.

Minha mãe deu uns chutinhos na canela dela e disse: “Levanta logo daí que eu sei que você tá fingindo.”

E ela se levantou!

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